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Marcus Renan explica detalhes da denúncia do MPCE -
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O promotor destaca a violência do caso -
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No hall de entrada, fila para cadastro. Atendentes realizando a liberação da entrada. “Onde fica a 1ª vara do Júri?”. Imagens cristãs de um lado e do outro do ambiente. Detectores de metal e guardas. Rampas e mais rampas. Nos corredores, rostos de pessoas que, sem dúvida, não queriam estar ali. Nosso primeiro encontro com o promotor Marcus Renan Palácio, um dos representantes do Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE) no caso da Chacina da Messejana, foi também nosso primeiro encontro com o Fórum Clóvis Beviláqua.

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O peso daquele ambiente recaiu sobre nós. A lentidão dos processos se refletia no tempo de espera das pessoas que estavam ali para prestar depoimento e, após longas horas, recebiam a notícia de que o testemunho ficaria para outro dia. A falta de informação no local nos lembra da incerteza dos processos. Não há placas de direcionamento. Ninguém sabe nos informar o caminho. Nos perdemos em meio a tantos corredores.

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O encontro com o promotor, marcado após cerca de duas semanas de telefonemas e desencontros, tinha que aguardar o fim de uma audiência da qual ele participava. Fomos convidadas a assistí-la enquanto esperávamos. Dentro da sala apertada, dois réus eram sabatinados por advogados, pelo juiz e pelo próprio promotor. Passamos um bom tempo ali, acompanhando a entrada e a saída de testemunhas, a angústia dos acusados. O relógio já indicava que lá fora havia escurecido e nós ainda esperávamos por um momento de conversa com Marcus Renan. Depois de cerca de três horas de espera, uma frustração: ficara tarde e o promotor sinalizou que a previsão de término não era favorável.

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Em um segundo encontro, após novos e incansáveis telefonemas, pequenos detalhes nos revelaram o homem por trás do representante do Ministério Público. Na entrada da casa de Marcus Renan, a simpatia de uma criança nos recebeu e nos conduziu para uma sala decorada com almofadas azuis. No canto, uma enorme árvore de natal. Mais uma vez, uma imagem cristã se fazia presente, mas era um cenário diferente daquilo que vimos no Fórum. Estávamos num local aconchegante, calmo.

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Em mais de uma hora de conversa, ouvimos detalhes do processo da Chacina da Messejana. Com 22 anos de atuação no Ministério Público, o promotor recorda que já lidou com casos de extrema violência, mas nunca com a quantidade de atores que este apresenta. Após os primeiros inquéritos policiais da investigação terem sido distribuídos automaticamente para a 1ª vara do Júri do Fórum Clóvis Beviláqua, todo o processo passou a ocorrer como atribuição dela.

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O promotor  titular do caso da Chacina da Messejana comenta sobre os autos do processo. Ele começa explicando como o caso chegou até o conhecimento do Ministério Público. “Quando a delegacia de assuntos internos, vinculada à Controladoria Geral dos Órgãos de Disciplina (CGD), concluiu as investigações, que duraram em torno de 10 meses, fizeram um relatório e encaminharam para o Ministério Público. O Ministério Público, apreciando os autos, que hoje somam 16 volumes, ofereceu a denúncia contra essas 45 pessoas”, relata Marcus.

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Para evidenciar a complexidade do caso, Marcus Renan enfatiza que o juiz da 1ª vara do Júri requereu ao Tribunal de Justiça do Estado do Ceará a designação de mais dois juízes para trabalhar com ele no processo. Um fato raro, visto que a maioria dos processos conta com apenas um juiz.

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Em um caso tão complexo, com grandes movimentações da mídia e da opinião pública, o promotor destaca a necessidade de manter-se imune à pressão social. “Às vezes a sociedade deseja algo que não é previsto em lei. Às vezes a sociedade prevê até um linchamento, que a pessoa sofra com a pena de morte. O promotor de justiça tem que ter muita prudência, muita serenidade”, reflete.

 

O cuidado do promotor em explicar os procedimentos jurídicos para que o entendimento sobre o processo fosse o mais claro possível, nos chamou a atenção. Foi minucioso. Para isso, ele explora detalhes da denúncia oferecida pelo MPCE. A ação de “individualização de conduta”, visto que existem 45 acusados, foi um dos procedimentos esmiuçados por Marcus Renan.

Encontros: Diário de Bordo

Ana Luiza Soares e Gabriela Vieira
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Durante a entrevista, Marcus Renan fala não somente como representante, mas como o próprio Ministério Público. No entanto, mostrou indignação, talvez agora falando apenas como humano, pai, ao comentar sobre a violência percebida em Fortaleza. Causada por fatores diversos, é, para ele, inaceitável quando vem de agentes do próprio estado.

O fim da nossa conversa aconteceu no gabinete do promotor. Receoso, lembrava das diversas vezes em que virou motivo de chacota da filha por “apresentar a casa” às visitas. Mas aquele era um cômodo que ele queria que nós víssemos. Nas prateleiras, a grande quantidade de livros de Direito é a vitrine dos anos de estudo e dedicação à profissão. O promotor que nos mostrou com alegria o diploma do Mestrado e os livros publicados, irradiou orgulho também ao exibir uma foto do filho. O mesmo garoto simpático que nos recebeu na porta.

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Para Marcus Renan, o papel do Ministério Público é essencial na consolidação do Estado Democrático de Direito. Ele, que advogou por dez anos antes de assumir o cargo na promotoria, trabalha hoje em uma instituição que “representa o menor, o idoso, o meio ambiente”.

 

O caminho que o levou ao caso da Chacina da Messejana foi longo. Recheado de processos, estudos e, até mesmo, casualidades - afinal, ser o promotor designado para o caso não foi uma escolha. O nosso caminho, que se entrelaçou com o dele quando decidimos investigar os variados aspectos que envolvem a Chacina, segue o curso da esperança.

Marcus Renan

Após a entrevista, o promotor nos apresentou a vasta coleção de títulos de sua biblioteca. 

Entre os livros do promotor, um objeto nos chamou a atenção.

São muitas etapas de investigação até que se cheguem aos nomes dos acusados. Até lá, o depoimento de vítimas e testemunhas são elementos-chave para a reunião de provas técnicas e conclusão sobre a identidade dos suspeitos. Com uma didática digna de um professor de Direito, o promotor explica como ocorre a participação desses atores no processo.

Marcus Renan fala sobre depoimentos -
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No depoimento das vítimas, uma coincidência: nenhuma delas quis prestar declaração na presença dos acusados. Tomado ao mesmo tempo pelo peso e pela delicadeza do processo,o promotor nos instiga: “Você teria coragem, se você tivesse sido vítima, de prestar depoimento perante os 45 acusados e o juiz perguntar: recorda qual deles atirou em você?”.

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