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Na memória dos jovens da periferia da Grande Messejana o grito de dor e medo não cessou. Hoje é um grito contínuo, e de tão constante virou discurso. Para amigos, vizinhos, e, sobretudo, para uma parte da juventude da região, as palavras representam resistência. A chacina da Grande Messejana, como ficou conhecido o assassinato em série de 11 jovens do bairro, marcou não só um lugar, mas uma geração.

 

E foi com as palavras que jovens tiraram as primeiras forças para reagir. Na periferia, há tempos que as palavras já não dizem. Mas dessa vez era preciso chamar atenção. “Eu queria centralizar o assunto, não queria vingança, só visibilidade”, comenta Jefferson Melo, fundador do Movimento #tamojuntocurio e amigo de uma das vítimas.  O jovem de 20 anos teve a ideia de criar o movimento para que o caso fosse o centro das discussões nas redes sociais. “A ideia veio de repente, não tava planejado. É uma forma de colaborar para que o caso não virasse banal”, comenta Jefferson. E deu certo. A página, que entrou no ar no Facebook no dia 16 de novembro de 2015, quatro dias após a chacina, chegou a alcançar mais de dois milhões de pessoas.

 

Jefferson também é morador do Curió, assim como o colega Pedro Alcântara, uma das vítimas. O rapaz de 20 anos tinha chegado há pouco tempo da faculdade naquele 11 de novembro. “Os meninos morreram atrás da minha casa” , lamenta, referindo-se aos jovens Pedro e Alef, mortos na mesma hora. “Eu conhecia os dois e posso afirmar com certeza que eles não tinham nenhum envolvimento com o crime, nem suspeita”, recorda Jefferson.

 

A criação da página foi a forma que ele encontrou de gritar por socorro e de agir para que o caso não fosse esquecido. Após o início do canal na internet, dezenas de artistas passaram a gravar mensagens com a hashtag #tamojuntocurio, graças ao movimento iniciado por Jefferson. Os cantores Criolo, Fagner, Emicida, o cineasta Halder Gomes, o ator Márcio Garcia e tantos outros artistas, e até jogadores de futebol entraram na corrente e, em menos de uma semana, o caso passou a ganhar visibilidade nacional.

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Jefferson se esquiva da responsabilidade de ter criado o primeiro movimento de denúncia e apoio às famílias das vítimas. O receio e a cautela são visíveis na fala do jovem, talvez temeroso por algum tipo de represália. Ele admite que colaborou para a visibilidade do caso mas reafirma que não quer vingança. “ É algo muito delicado e eu não costumo falar disso com todo mundo, também não dou entrevista para todo mundo”, afirma.

 

A página reúne, além de relatos e mensagens de apoio às vítimas da chacina, uma série de reportagens sobre o desenrolar do caso. Jefferson faz uma espécie de curadoria de notícias sobre a chacina. Ele vai manter o canal na internet até o desfecho definitivo do caso.

 

Jefferson permanece esperando um final para o caso, com uma saudade que sempre o acompanha e um anseio pela resposta rápida da Justiça.

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#tamojuntocurio

Não muito longe de Jefferson, jovens do bairro São Cristóvão começaram a se articular após a Chacina. O sentimento era o mesmo: de que o caso não poderia ficar impune. Aos poucos foi surgindo o Jangurussu de Resistência. A estagiária do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente, Livia Morais, foi quem ajudou a fundar o movimento. Até hoje ela  mobiliza protestos e ações junto com outros moradores. “A gente tá com o perfil muito variado, tem uma galera jovem, que mora na região do Grande Jangurussu, Ari Barroso, Conjunto Palmeiras e São Cristovão. São jovens que estão inseridos em outros grupos de resistência mas que encontram no nosso movimento uma pauta em comum”, relata Lívia referindo aos que fazem parte do coletivo.

 

Além da violência, os jovens do Jangurussu acabaram adquirindo outras pautas ao longo da resistência. “A gente observou também que, na época, estavam havendo muitos cortes na área da juventude. Começamos a usar equipamento do Cuca, que é pra ser voltado para práticas de esporte, cultura e lazer da juventude. O equipamento estava sendo utilizado só para profissionalizar jovens para o mercado de trabalho, sendo que seu objetivo não é esse.”, relata Lívia que, junto com outros moradores e movimentos, utiliza os equipamentos para produções de materiais de trabalho do coletivo.

 

O Movimento também vem articulando alguns atos. O mais significativo deles é a Marcha da periferia. “Estamos construindo agora a Marcha da Periferia, não só a juventude, mas o povo preto mesmo, a ideia é levar todo o mundo para rua para dar um basta na discriminação.”, relata Lívia. O ato está previsto para ocorrer no dia 12 de novembro de 2016, praticamente um ano após a chacina da Messejana.

 

Quanto ao financiamento do grupo, desde o começo, o Jangurussu de Resistência sempre foi muito independente. Segundo Lívia, o apoio que existe vem do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente, para caravanas, feiras e outras atividades. “A gente não tem diálogo com o Governo, se a gente quiser fazer alguma coisa, a gente faz por nós mesmos.”, completa.

Ana Luiza Soares e Luan Carvalho

SENTIMENTOS COMPARTILHADOS

DA IDEIA À PRÁTICA

No próprio Curió, um dos locais onde ocorreu a chacina, começava a se articular mais um  grupo independente. O Voz e Vez das Comunidades surgia na cabeça de seis jovens há pelo menos dois anos, quando não havia ainda nome definido para o movimento.

 

A intenção era levar opções de lazer, assistência e cultura às comunidades periféricas de Fortaleza. Após a chacina, o grupo resolveu que era a hora certa de começar.  Para M. A, (nome fictício), integrante do movimento, o Voz e Vez tinha de ajudar de alguma forma as vítimas e familiares. “O caso gerou muita revolta e logo a gente começou a se articular. Três dias depois já tínhamos firmado parceria com outros coletivos e logo começamos a filmar o documentário sobre a chacina”, recorda M.A.  

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“Onze” foi o produto audiovisual  feito em parceria com o Coletivo Nigéria e o Coletivo Zóio.  Em janeiro de 2016, dois meses após o caso, O Voz e Vez das Comunidades organizou um evento na comunidade do São Miguel, um dos palcos da chacina, para exibir o documentário. Reuniram mães das vítimas, familiares, amigos e moradores do bairro para assistir à produção, ali mesmo na comunidade. Desde então, eles procuram levar opções de cultura e discutem algumas pautas com  os moradores. “A gente sempre fala do extermínio da população pobre e negra, a gente leva esse debate pra eles.” completa M.A.

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O Voz e Vez  preparou um grande ato de um ano em memória às vítimas da Chacina no dia 11 de novembro de 2016, nos arredores do local onde aconteceram os assassinatos. A iniciativa teve a intenção de, mais uma vez, chamar atenção para o caso. Lideranças da comunidade, mães e amigos das vítimas estiveram presentes na esperança de que suas vozes sejam escutadas.

Instantaneidade e sucesso nas redes sociais

Ato em homenagem às vítimas da Chacina. 

Convite para ato em homenagem às vitimas da Chacina. Foto: Voz e Vez das Comunidades

A arte estampa o perfil do movimento no Facebook. Foto: Jangurussu de Resistência

O grupo se prepara para atos na Grande Messejana. Foto: Jangurussu de Resistência

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