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Chacina na regional VI

A madrugada de terror e os impactos da violência na Grande Messejana  

Gabriela Vieira e Luan Carvalho

As ruas dos bairros Alagadiço Novo, Curió, Messejana e São Miguel foram invadidas por homens armados e pelo terror. Tiro após tiro, onze pessoas foram mortas. Na madrugada de 12 de novembro de 2015, a violência indiscriminada culminou na maior chacina já ocorrida em Fortaleza, na qual morreram aqueles que estavam no caminho dos assassinos. Momentos de tortura foram vividos também por sete outras pessoas que sobreviveram às hostis abordagens.

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Naquele dia, a regional VI de Fortaleza viveu cerca de quatro horas de horror. Foi o intervalo de tempo necessário para que o cerco fosse montado e os assassinos fizessem suas vítimas. Dos onze mortos, todos eram do sexo masculino e sete deles eram menores de idade. Somente dois tinham passagem pela polícia e, ambas as ocorrências não são consideradas antecedentes criminais graves. Além do gênero, o que interliga as vítimas é a situação de vulnerabilidade que se encontravam diante da violência.  

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A investigação do caso utilizou a análise de registros, tais como câmeras de segurança e redes sociais dos policiais, e também o depoimento de 240 pessoas, entre elas testemunhas e vítimas dos acontecimentos. Realizada pela Delegacia de Assuntos Internos (DAI) da Controladoria Geral dos Órgãos de Disciplina (CGD), órgão responsável por apurar delitos administrativos cometidos por integrantes das polícias civil e militar, a apuração foi encaminhada ao Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE) para que a denúncia fosse feita.

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Assim, 45 policiais militares foram acusados de participação na Chacina em denúncia que individualiza a conduta de cada um deles, especificando qual seria a contribuição nos crimes. Em um primeiro momento, a Justiça decretou a prisão preventiva de 44 dos 45 PM’s denunciados.  

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Ainda segundo o MPCE, os assassinatos seriam uma demonstração de força em retaliação à morte do policial militar Valtermberg Chaves Serpa no dia anterior. O PM foi morto a tiros ao tentar defender sua esposa durante um assalto no bairro Lagoa Redonda, em Fortaleza, e foi o 13° de 14 PM’s assassinados no Ceará em 2015.

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A Chacina da Messejana ou Chacina do Curió é um grande episódio, de tantos outros, da violência de Fortaleza. O cenário de hostilidade foi visto de perto e vivido pelas vítimas diretas ou indiretas do caso que convivem, muitas vezes, com um contexto violento no dia a dia.

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VIOLÊNCIA

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O curso da vida das pessoas é alterado pela violência, que se apresenta de diversas formas na vida da população. Por vezes, o trajeto que se faz na rotina é mudado para evitar um lugar perigoso. Em outras ocasiões, a volta pra casa é interrompida e nunca concluída.

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Em 2016, a capital cearense foi classificada como a cidade mais violenta do Brasil pela ONG mexicana "Seguridad, Justicia y Paz", que levou em consideração o número de homicídios nas cidades com mais de 300 mil habitantes no País. No Mapa da Violência 2015, realizado pelo pesquisador Julio Jacobo Waiselfisz, Fortaleza foi apontada como a capital brasileira com maior número de homicídios de adolescentes (16 e 17 anos): 267,7 homicídios por 100 mil.

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Esses números fazem parte do cotidiano dos moradores e visitantes de Fortaleza e, com eles, o medo de ser mais uma das vítimas da violência. Podendo ser classificada como todo e qualquer ato de coação, de violação de direitos humanos e de agressividade, a violência varia de acordo com as circunstâncias sociais e culturais e, nas áreas urbanas e grandes metrópoles, está, geralmente, associada à criminalidade.

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Segundo o professor do curso de Ciências Sociais da UECE, Geovani Jacó, que participou da coordenação e edição da Pesquisa Cartográfica da Criminalidade e da Violência na cidade de Fortaleza, a maior parte das mortes violentas na cidade atingem jovens do sexo masculino, da periferia e de baixa escolaridade. Exatamente como as vítimas da Chacina de Messejana.

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Esta pesquisa, lançada em 2011, registrou entre 2007 e 2009 a presença do crime e da violência na vida daqueles que vivem em Fortaleza de acordo com cada regional da capital. O estudo foi realizada pelos Laboratório de Direitos Humanos, Cidadania e Ética (Labvida) e Laboratório de Estudos da Conflitualidade e Violência (Covio), da Universidade Estadual do Ceará, bem como pelo Laboratório de Estudos da Violência (LEV), da Universidade Federal do Ceará.

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Nas periferias, como é o caso dos bairros onde ocorreu a Chacina de Messejana, a violência pode ser considerada um reflexo de problemas sociais como o desemprego e a ausência de políticas públicas efetivas. Os dados demonstram que a regional VI, região que abrange as localidades envolvidas na Chacina de Messejana, possui circunstâncias que seriam propícias ao desenvolvimento da violência. A ausência de políticas públicas e, como foi constatado à época da pesquisa, o fluxo contínuo de novos moradores, uma população jovem muito grande (50% na faixa dos 22 anos) e o fato de ser a regional com maior índice de analfabetismo, colaboram com essa violência.

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O "clima violento" não é apenas uma conclusão teórica dos pesquisadores. Empiricamente, ou seja, na prática, ele é sentido e acompanha quem no bairro habita. “Percebi um aumento exponencial da sensação de insegurança não só no bairro, mas na cidade como um todo”, afirma Filipe Soares, 22, nascido e criado na Messejana.

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Segundo pesquisa de mestrado em Economia da UFC, essa sensação de medo é maior que a própria insegurança. O mestrando Yuri Costa e seu professor orientador José Raimundo Carvalho constataram, em consulta feita com quatro mil pessoas na capital cearense, que a probabilidade de uma delas ser vítima de homicídio era menor do que elas realmente achavam que podiam ser.

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Os atos de violência sofridos pelos moradores da grande Messejana naquele dia 12 não se limitam àquela região, mas integram um contexto que abrange toda a capital cearense. Desde àquela madrugada, o impacto das 11 mortes deixa a regional VI e é sentido em cada uma das ruas de Fortaleza.

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Excertos da denúncia do Ministério Público do Estado do Ceará sobre o caso

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